quinta-feira, 21 de setembro de 2017

A Clarividente

"Clara era uma aparição de rendas brancas de Chantilly e de camélias naturais, 
libertando-se como um periquito feliz dos nove anos de silêncio, 
dançando com o noivo debaixo dos toldos e lampiões, 
alheia por completo às advertências dos espíritos que lhe faziam sinais desesperados
 por detrás das cortinas, mas que no meio da multidão e do barulho ela não via."

Para mim ler sobre a Clara é quase como ler sobre Ti, apesar de tão diferentes serem uma da outra. É ler também sobre as várias pessoas que fui e vou conhecendo ao longo da vida e que são uma espécie de tinha telefónica para o mundo espiritual. Dizem, não sei se é verdade ou não, que todos nós temos essa faculdade, de nos conetarmos com o lado de lá da linha telefónica, mas comigo, e acredito que seja o caso da maioria das pessoas, a linha nunca funciona. Esses serviços de valor acrescentado estão barrados e quando se tenta ligar nunca dá qualquer sinal.

O meu anjo da guarda ou os meus guias espirituais, se é que os tenho, ou seja lá quem for que eu possa ter e que esteja do lado de lá e me queira ligar, na esperança de me alertar para algo, todos eles, bem que podem tentar, podem até gritar bem alto, que sabem que irão estar a gastar o seu latim inutilmente, pois eu não os vou conseguir ver, ouvir ou sentir. A linha do telefone está sempre interrompida. Daí que eu ache que essas almas perdidas que andam por aí, contactem precisamente quem saibam que à partida possa atender o telefone. E nem de propósito, neste exato momento, alguém bateu aqui, como se tivesse pegado num martelo, e dado com bastante força no teto desta casa. Talvez só se quisesse só fazer notar, ou então, fazer parte deste texto. É muito comum aqui, está sempre a acontecer, mas eu não sei o que eles querem. Eu só ouço as pancadas. A mensagem, essa,  nunca me chega porque a linha do telefone está cortada.

E talvez até possa parecer estranho a quem me conhece hoje, com esta idade, mas eu, ainda jovem, creio até que foi em dois períodos diferentes da adolescência, peguei na bíblia, como que, tentando que se fizesse alguma luz. Acho que tentava dar uma oportunidade a Deus, na esperança de que aquilo fizesse algum sentido para mim. Mas feliz ou infelizmente, aquilo para mim nunca fez qualquer sentido. Parecem umas historizinhas de horror e de arrepiar, para assustar meninos mal comportados. E acho que não me levarás a mal, se eu te disser que aquele, não é, definitivamente, o meu Deus. Sorrio agora, lembrando quando no início me disseste que eras uma mulher de fé, da religião católica e que querias casar pela igreja. Sorrio também, quando penso que acabaste a concordar comigo. A grande maioria dos padres são mesmo uns grandes filhos da puta!

Virei-me então para outros lados, e cedo comecei também a interessar-me por temas místicos. Fui lendo bastante sobre muitas coisas diferentes e prestando sempre muita atenção, sempre que me contavam histórias de espíritos, de bruxarias, de invejas e maus olhados. E depois, como sabes, também passei por umas coisitas. Nada que se compare a quem tem sempre rede no telefone onde quer que vá, mas serviu para reforçar as minhas convicções e para tentar começar a formar a minha própria opinião de como talvez as coisas se passem. E sem nada saber, que é precisamente o que eu acho que sei sobre o assunto - nada - fui no entanto, começando a ter alguma sensibilidade para a coisa, essencial para perceber melhor com o que me vim a confrontar mais à frente.

E ler sobre a Clara é também ler sobre Ti. Relembro quando me dizias que eles te alertavam acerca de mim, tal como no passado te tinham alertado para outras coisas mais. E eu sei que eles nunca te falharam. Nem falharão. E eu dei voltas e mais voltas à minha cabeça. Quase em desespero. Revoltado. Por que é que eles não queriam que te entregasses a mim? Porquê, se ninguém como eu te queria tanto bem? Eu sei que há coisas que estão para além do nosso entendimento. Do meu entendimento, até do teu, e do de toda a gente. E tu podias não me ter dito nada. Talvez a sensatez te devesse aconselhar a nada me dizeres, até porque não sabias como eu reagiria. Mas tu, sempre com uma honestidade e sentido de justiça notável, contaste-me. E depois eles são eles, e tu és tu. E és tu que tens de viver a tua vida por ti, tomando as tuas próprias decisões, para o bem e para o mal. Os nossas pais também acham sempre que sabem o que é melhor para nós. Muitas vezes talvez até saibam, mas temos de ser sempre nós a tomar as nossas decisões. O nosso livre-arbítrio como tu dirias.

E tantas vezes que me tu disseste que eras uma mulher normal, uma pessoa comum, igual a todas as outras, talvez por eu te colocar num patamar acima de mim na escala da evolução espiritual. Mas a minha admiração e fascínio por ti, tu sabes muito bem ao que se devia. Tu estiveste lá também, viveste as coisas como eu. Disseste-me até que nunca tinhas sentido nada assim. Tantos anos depois de teres nascido, tantas pessoas com quem te cruzaste nesta vida, e aceitaste conhecer a primeira pessoa, vinda lá desse mundo perdido que é a Internet, e disseste-me que nunca tinhas sentido nada assim. E eu também não. "Isto foi um reencontro" disseste-me. Era a tua energia que sempre me puxou para ti, que junto com a minha energia me fazia brilhar. Sempre foi a nossa energia. Sabes que nunca teve nada a ver com a tua clarividência. Aliás, sabes o que te disse, quando te ofereceste para me iluminares o meu futuro. Disse-te que não queria saber de nada. E nunca nada te pedi, só te pedi mesmo, já em desespero de causa, que ficasses comigo... Mas se calhar já não tinha de ser, disseste-me.

Mas revoltava-me saber que eles te alertavam contra mim. Eu poderia não ser o melhor para ti, aceito isso com humildade. Eu sei que não sou a melhor pessoa do mundo. Mas também deveriam saber que ninguém te quis ou quererá tanto, mas principalmente te quererá tão bem, quanto eu te quis. Eu pelo menos tenho sempre de acreditar nisso. E eu sei que eles nunca te falharam, nem falharão. Talvez outros planos te estivessem destinados, e eles só te estivessem a guiar. Não sei. Mas ninguém nunca te pôde querer tanto bem como eu quis. E continuarei, sempre, a querer-te bem. Talvez porque haja coisas que estão para além da nossa compreensão.

Mas se havia coisa que me deixava feliz, era saber que tu sabias. Nós podemos tentar mostrar e dizer a outra pessoa o quanto gostamos dela, mas se não sentirem, tudo se torna quase num ato de fé. Afinal pode não ser bem assim. Podemos estar a confundir as coisas... Mas no nosso caso tu sabias. Tu sentias! E certa vez, contaste-me. Eu apareci-te mesmo, junto a ti, na tua cama. Eu saí de mim, e mesmo não sabendo onde tu vivias,  apareci-te... E para mim, isso só pode ter sido qualquer coisa de muito especial...

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