quinta-feira, 15 de junho de 2017

Coração de Desportista

"Já vos contei que a enfermeira disse que eu tinha um coração de desportista? Ah pois é!"

Passei o dia de ontem a dizer isto aos colegas de trabalho. E é verdade, eu por vezes consigo ser mesmo muito chato.  Por que é que acham que eu ainda estou solteiro? Não há mulher que me ature! 

Passou-se mais um ano, e lá tivemos nós mais uma consulta de medicina do trabalho. E isto agora é muito modernaço, nem temos de sair da empresa, sair e arejar, perder duas ou três horas e regressar. Agora são eles que vêm até nós, para os trabalhadores não perderem produtividade. 

Eles vêm à empresa e em minutos - não devo ter estado mais do que cinco minutos dentro da carrinha - e já nos conseguem dizer se estamos aptos ou não para trabalhar. Basta medir a pressão arterial, levar uma picada no dedo, e encostar um aparelho ao peito que se vê logo se estamos aptos ou não para trabalhar! Eu estou em crer que antigamente, quando se compravam escravos - uma pouca vergonha terem acabado com a escravatura, ao que isto chegou!, pois agora têm que pagar pelo trabalho e tudo! - e eu estou em crer que antigamente, quem comprava escravos, demorava bem mais tempo a analisar se determinado preto(a) estava em boas condições! 

Agora não há cá tempo a perder, tem de ser tudo muito rápido como convém, à tão falada produtividade. É sempre a aviar, sempre a despachar, que há muito dinheiro para ganhar noutras freguesias.



Cinco minutos e já se sabe tudo!

Um gaijo até tem um cancro terminal, está com os pés para a cova nos próximos dias, mas tem a tensão boa e os níveis de açúcar no sangue impecáveis, está apto para o trabalho! 

Eu fui logo o primeiro. As minhas colegas já tinham avisado, que ela, a enfermeira, era feia. Mulheres! Eu achei-a simpática, e para mim, feias são as mulheres que não sabem sorrir. E lá por uma mulher usar uns óculos com alguma graduação já é feia? Mulheres! 

E depois de me apertar o braço para medir a tensão arterial, e de me picar o dedo, lá me disse, depois de encostar um aparelhómetro, mais pequeno que os telemóveis de agora, ao peito:

"Pratica desporto? Tem uma frequência cardíaca baixinha, típica dos desportistas". 

(e nem queiras saber como são outros dos meus órgãos! Olha, se soubesses como é a minha vesícula ou meu fígado, ficarias boquiaberta!)

E lá empurrei a porta para ser visto pelo médico. E "ser visto" é mesmo a expressão apropriada, Ele só olhou para mim, e não fez mais nada, além de, durante um minuto me ter perguntado meia dúzia de coisas a que respondi quase sempre na negativa. E lá saí da carrinha e fui trabalhar. 

Eu já vos disse hoje que tenho um coração de desportista? 

(ou então estou a morrer!)

Sem comentários:

Enviar um comentário