quinta-feira, 16 de março de 2017

Alternativas de Relacionamento Afetivo

"Espero mesmo que não encontres uma namorada ciumenta
 que não te deixe mais corresponderes-te comigo"


Basta ver alguém chorando e poderemos apostar que a pessoa em questão está nesse lamentável estado emocional justamente por causa de quem deveria ser a sua fonte de felicidade. Então, há algo de errado aí. Há algo equivocado no conceito de relacionamento afetivo.
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Parece-nos que o componente mais dramático do relacionamento afetivo é o cerceamento da liberdade. Não é à toa que o termo esposa em espanhol significa algemas. Contudo, não é só o homem que se sente algemado pelo enlace afetivo. A mulher é até mais vitimada pelas convenções sociais, afinal, vivemos numa sociedade patriacal, que se carateriza pela restrição da liberdade. 
É preciso que preservemos a liberdade, o nosso bem mais precioso. Entretanto, parece estar implícito que para nos relacionarmos afetivamente com alguém, precisaremos de abrir mão da nossa liberdade. Isso não está certo.
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O melhor é não se casar. Mas... quem consegue? Quase todo o mundo adquire, já na infância, uma fixação cultural pela instituição casamento. Assim, mais cedo ou mais tarde, a maior parte das pessoas acaba-se casando, seja formal ou informalmente.
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No filme Um caminho para dois, o jovem Peter Finch pergunta à adolescente Audrey Hepburn: "Por que as pessoas casadas não conversam uma com a outra?"  (...)
Então, por que as pessoas se casam? Por lavagem cerebral. Afinal, nem cogitam se há outra opção de relacionamento, fora daquele modelo único que a sociedade vigente nos impõe.
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Você já notou que quando está acasalado (mesmo num simples namoro) os amigos não o convidam tanto para sair? É como se se afastassem polidamente para "não atrapalhar". Fora isso, ainda há um bom número de casais que se fecham em copas e passam a declinar os convites dos amigos - convites esses que já não são tantos. O resultado disso é que o casal vai-se isolando por discrição dos demais. No entanto, se você descasa ou fica sem parceiro(a) os amigos, frequentemente, retomam e começam a convidá-lo outra vez. Parece, portanto, que há uma conspiração, para que os casais fiquem sós, a saturar-se um ao outro com o excesso de invasão de espaço vital. Isso acaba resultando mal.
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A monogamia foi originalmente uma boa ideia. Com ela, equilibravam-se numericamente as populações masculina e feminina, evitando confrontos entre os homens que ficassem sem parceiras. A monogamia ainda oferecia vantagens únicas para aquele período: evitavam-se as doenças sexualmente transmissíveis, para as quais não havia cura, e garantia-se a sucessão tanto genética quanto de bens e de títulos hierárquicos. Era mesmo uma ideia genial. Tão genial que durou milénios. Um sucesso, indiscutivelmente.
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Hoje, a monogamia tem demonstrado ser uma instituição falida e mais do que isso, fonte de infelicidade, de mentira e de hipocrisia. Uma proporção avassaladora de pretensos monógamos trai a sua proposta de manter contacto com uma só pessoa. Todos traem, todos sabem, todos negam, todos fingem que acreditam. E assim caminha a Humanidade, aos trancos e barrancos, em direção a um nível maior de lucidez e de honestidade que deve estar em algum lugar, lá no fundo do túnel (..)
Quando conversava com uma amiga sobre esta modalidade comportamental, ela me contou uma anedota que ilustra a atitude das pessoas desse grupo:
O psicanalista perguntou ao paciente:
- Você tem um relacionamento monogâmico?
Ele respondeu:
- Sim, tenho vários
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Tenho testemunhado muita gente declarando  que é monogâmica e não compreende ficar com mais de uma pessoa, mas trocam de parceiro quase semanalmente. Convencionamos designar esse procedimento de monogamia sequencial. Apesar de ser muito comum, não creio que precisemos analisar esta modalidade, pois ela já é bem descritiva por si só.
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Biologicamente o Ser Humano não é monogâmico, porém vivemos em sociedade e não na selva. Criamos todas uma organização social baseada em sistemas de herança e responsabilidade pelo sustento de família e filhos que, embora esteja obsoleta, ainda é vigente.
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A primeira alternativa com que nos deparamos é a do casamento aberto. Ele, na verdade, não deixa ser uma vertente do casamento monogâmico, só que com atenuantes. Ambos os parceiros mantêm uma relação afetiva estável e está muito claro para cada um dos dois que o seu ponto de referência no universo é a cara-metade. Entretanto contam com o beneplácito do cônjuje para ter relações extra-conjugais, o que na opinião de muitos deles, enriquece o relacionamento e reforça os laços de amor, confiança e honestidade.


No casamento aberto há inúmeras variantes. Poder-se-ia dizer que existem tantas quanto o número de casais, pois cada qual cria as suas próprias normas de conduta de acordo com a respetiva cultura.
Há os concedem o respeito pela liberdade do parceiro, mas não querem saber de nada. (...) Outros, ao contrário, só ficam bem se estiverem a par de tudo. "Não me escondas nada, quero saber o que está a acontecer" é a regra para este grupo.(...)
No casamento fechado, chega o momento em que novidade acabou e os parceiros já são antigos. Ora, sabe-se que o erotismo alimenta-se muito do elemento novidade. Enquanto os parceiros não pulam a cerca, as coisas sustentam-se  com uma aparência consistente. No dia em que uma pessoa nova cruzar o caminho de um devoto do casamento fechado, ele simplesmente se desestruturará. É o fator novidade. Ficará apaixonado e, como não professa o relacionamento aberto, terá de optar. Muitas vezes optará por uma pessoa extremamente inferior ao seu companheiro e, mais tarde, arrepender-se-á amargamente pela tolice cometida.
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Ficou célebre o casamento que o filósofo Sartre mantinha com a sua esposa Simone de Bauvoir, mulher notável, escritora de uma inteligência raríssima. Para a época, década de 50, foi um escândalo. Só não teve consequências mais nefastas porque viviam em Paris e ambos eram intelectuais - casta à qual concedem-se exceções.
Embora casados e fiéis, moravam separadamente, cada um na sua casa. Fiéis eles eram, mas usufruíam da óbvia liberdade que o facto de viver em sua própria casa proporciona. Portanto, fiéis de acordo com o conceito de fidelidade que exponho aqui. Foi um casamento bem sucedido e que serviu de inspiração a muita gente.
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Se você prestar atenção, vai notar que aquela pessoa com quem relacionava-se sem nenhum rótulo ou compromisso era um doce de tão cordata. Era compreensiva, não fazia cobranças,não reclamava de nada, não enchia o recipiente escrotal. Mas quando essa pessoa (homem ou mulher) foi elevada à categoria de titular, alguns azedumes começaram a transpirar. Você passou a perceber, não sem alguma deceção, que aquele ser humano tinha lá as suas mesquinhezas. E quanto mais essa criatura for se sentindo dona do pedaço, mais irá tentando impor as suas exigências.
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Certo é tudo aquilo que lhe trouxer felicidade, bem-estar, ausência de conflitos, tensões ou desgastes para você e para os demais. Certo não tem nada a ver com moral. Algo pode ser certo para determinada pessoa ou grupo de pessoas e ao mesmo tempo inadequado para outro indivíduo ou comunidade.
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Ser fiel é não trair. Trair é mentir,é prometer que não fará uma coisa e fazê-la. Se um cônjuje declara que não vai comer doces para emagrecer e come, isso é traição. Se não for assumido nenhum compromisso de abstinênica sexual com relação a terceiros, o contacto sexual não poderá ser classificado como traição.
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Se você quer azedar o seu relacionamento afetivo, a receita é infalível. Seja ciumento(a). Ou o relacionamento deteriora e vai cada um para o seu lado, ou acabarão sendo personagens de manchetes policiais.
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Se você conseguir um bom relacionamento afetivo com o seu parceiro, o que não vai faltar são os falsos amigos, e principalmente, as falsas amigas que em conversas íntimas procurarão descobrir um ponto fraco para inocular ali a sua peçonha. Primeiramente, procure minimizar os pontos fracos. Depois, não deixe ninguém saber quais são eles. Disfarce-os como se disso dependesse a sua vida - e ela depende mesmo!
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Já que estamos repensando o relacionamento, para evoluir como pessoas, por que não repensarmos também o momento em que esse mesmo relacionamento precisa de um tempo, ou de uma reciclagem?
Acredito que as pessoas não devam afastar-se, privar-se do convívio de quem lhes deu tanto, apenas por estar numa outra etapa da sua evolução, da sua vida, ou da sua sexualidade. Devemos, sim, preservar esse relacionamento   que agora extrapolou os limites da relação homem-mulher e alcançou patamares excelsos de dois seres que são mais do que casal, mais do que amigos, mais do que irmãos.
É fundamental que ao conluir uma etapa do relacionamento e galgar uma outra, haja muita elegância e consideração.

Alternativas de Relacionamento Afectivo / DeRose / 2002

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