quinta-feira, 23 de março de 2017

A Religião no Hospital

No dia da cirurgia, as diferentes pessoas, enfermeiras e médicos, que comigo contactaram, haveriam de me perguntar, várias vezes ao longo do dia: qual é a sua religião? E até hoje, sinceramente, não consigo perceber para quê tal pergunta. Por que não perguntar a minha orientação sexual? Por que não perguntar os meus ideias políticos? Por que não perguntar se tenho um clube preferido e qual? Por que não perguntar como é que eu gosto dos ovos, se sou omnívoro ou vegetariano?

Mas o mais engraçado é que, no inquérito que a enfermeira me fez na receção, nem sequer lá contemplava a opção "Sem Religião"! Os hospitais portugueses partem do princípio - errado! -  que toda a gente tem de ter religião! 

- Qual a sua religião? 
- Eu não tenho religião.
- Mas então é agnóstico?
- Não sou ateu mas também não sou agnóstico. E agnóstico e ateu também não são religiões. Mas eu não tenho nenhuma religião.
- Mas eu não tenho aqui "Sem religião", então vou colocar agnóstico. 

Vamos lá ver uma coisa. Vivemos num país Laico, sem religião portanto. Então, porque raio perguntam aos doentes que se dirigem a um hospital público qual a sua religião? Mas por acaso a religião é tida e achada dentro de um hospital? E do ponto de vista clínico, interessa alguma coisa a um médico saber a religião do doente? Não devemos todos ser tratados de forma igual? Então para que é que querem saber da religião das pessoas?

Ah mas ó Konigvs há pessoas que não querem transfusões de sangue porque a sua religião não permite. 

Eu sei muito bem que, por exemplo, as Testemunhas de Jeová, além de quererem aparentar uma neutralidade política - como se isso fosse possível! (mas a Esquerda agradece) - são também muito conhecidos por não aceitarem transfusões de sangue. E em Portugal existem cem mil Testemunhas de Jeová, cerca de 1% da população.

Eu sempre defendi as liberdades individuais, pois certamente também concordo que cada pessoa é que deve saber o que fazer quando está doente. Não quer receber uma transfusão de sangue? Quer morrer? Muito bem, estou totalmente de acordo, cada um está no seu direito de fazer o que bem entender. Só que existem certas vontades, ou liberdades, que colidem eticamente com as liberdades dos outros.

As pessoas são livres de ter a sua religião, seja ela qual for. Totalmente de acordo. Mas as pessoas também devem ter presente que os médicos também fazem o seu juramento: o de salvar vidas. E onde é que fica o Direito do Estado Laico? Neste momento, o meu país não me deixa morrer, se esta for a minha vontade. É crime. Mas então, com que direito, é que o mesmo país, permite que se deixe morrer uma pessoa, havendo todas as possibilidades para lhe salvar a vida?

Quer dizer, as Testemunhas de Jeová são contra a Eutanásia, mas depois são a favor que deixe morrer uma pessoa, quando poderia ser facilmente salva, bastando para isso que recebesse uma transfusão sanguínea. São contra o suicídio. Só Deus pode tirar a vida. Mas então, deixar-se morrer e esvair-se em sangue não é suicidar-se? Em que ficamos então? Defendem a vida num caso mas no outro já não? Há qualquer coisa nessa linha de raciocínio que não bate certo... Mas eu percebo, a verdade é que as pessoas que têm religião não se regem pelo raciocínio, mas pelo fanatismo. 

Se eu quero morrer o Estado não mo permite. É crime. Se eu quero viver, mas como sou fanático-religioso, e quero impedir o médico de me salvar a vida, ou a vida da minha mulher ou do meu filho, está tudo bem, até há legislação sobre o assunto! Então onde é que fica o argumento da defesa da vida no caso de quem se recusa a receber uma transfusão de sangue? Dois pesos e duas medidas. 

Pois o que eu acho é que, das duas uma: ou confiámos em Deus (no santinho a quem se fez a promessa, no Diabo ou outra divindade qualquer!) ou confiamos no médico, no cirurgião, no anestesista, e no trabalho desenvolvido pela unidade de saúde. E se as pessoas preferem confiar na vontade de Deus, e estão no seu direito, mas então nunca recorram aos médicos! Pois se adoecem é porque foi a vontade divina! - e vão agora ao médico para contrariar essa vontade? Qual é a lógica e coerência disso?

Também acho muita graça aquelas pessoas que fazem uma promessa ao santinho ou santinha. Fazem as promessas, mas depois vão fazer os tratamentos ou cirurgias no hospital. E depois, se ficam curadas, vão agradecer ao santo e dizem que foi ele que as salvou! Então mas para que é que foram ao médico? Se o santo cura, para que é que procuram os médicos? Onde estão os milagres então? Quando tiverem algum problema de saúde rezem! Rezem muito que nunca terão nenhuma doença! Mas se tiverem, não vão ao médico, afinal adoeceram por vontade de Deus! E se é Deus que vos salva, então não vão chatear os médicos! 

Uma coisa é a liberdade individual, outra é o trabalho de um médico. Qualquer doente tem o direito de não ser tratado. Mas nenhum doente pode querer que o médico o deixe morrer quando o pode salvar. Há aqui um conflito de interesses! Muito pior ainda é nos casos de menores. Cada um que decida sobre a sua própria vida, e se quer morrer ótimo, mas que não interfira nas vidas dos outros.

Um hospital é um local onde se tratam doentes que decidem ser tratados. Na missa também ninguém ensina o padre-nosso ao vigário. Portanto, para assuntos religiosos, o destino é a Igreja e não o Hospital. Não queiram misturar alhos com bugalhos.

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