sábado, 13 de fevereiro de 2016

Melodramático

Saía ontem do trabalho e estranhamente comecei a sentir-me mal. Na viagem para casa até liguei o ar frio e virei-o para mim tais eram as dores de cabeça e não percebia o que se estaria a passar comigo.

Comecei-me a sentir mal e pensei "e se me acontece alguma coisa assim do nada"? E foi em ti que comecei a pensar. E sei que talvez estranhes isso, porque és da opinião que devemos ter os pais sempre em primeiro lugar. Eu sei que tens as tuas razões. "A tua mãe nunca te vai deixar, está sempre lá para quando precisares, já uma namorada, provavelmente quando estiveres mal caga em ti, ou então vai-te desiludir". Eu não acho que tenha a razão. Acho que tu tens a tua razão baseado nas tuas vivências, e eu tenho a minha razão baseado nas minhas ou baseado no que sinto certo? Mas já reparaste que baseado nas minhas vivências e no que já passei, eu deveria pensar ou sentir exatamente como tu? Porque tal como me disseste, já me deixaram na mão quando mais precisei. E não será isto muito curioso de analisar?

Eu vinha-me a sentir mal, e claro que ficamos em alerta e com medo - afinal que é que se está a passar com o meu corpo? e tu foste a primeira pessoa em que eu pensei... 

Já nem sei se te cheguei a contar. Certo dia, era eu ainda adolescente, e fui atacado por um cão e tive de ir ao hospital... Ainda me lembro bem desse dia 17 de novembro, dia do não fumador. Andei-me a debater com o cão imenso tempo. Imagina tu que, lá longe, do outro lado do rio, ouviram os meus gritos aflitos, e dias depois perguntaram o que por ali tinha acontecido. Cheguei a contar-te? E naqueles momentos de agonia, enquanto esperava pela ambulância, era pela minha mãe que eu chamava...

Mas começando-me a sentir mal, ali sozinho no carro, foi em ti que comecei a pensar. Eu sei que vivo as coisas com grande intensidade. Olha, até a assistente do dentista me dizia este ano quando lá voltei "Tu és um homem de emoções fortes"! E sei que às vezes, se calhar sou um bocado dramático - se calhar deveria ter ido para o teatro!  - mas enquanto conduzia, por entre aquele imenso nevoeiro, e com o ar frio virado para mim, pensava: e se eu começar a morrer? Eu não acredito muito nisso, mas na verdade também ainda não morri para saber, mas dizem que antes de morrermos vemos a nossa vida passar toda à nossa frente numa espécie de filme. Imagina que eu começava a ver esse filme? E agora? Ia morrer assim, sem me despedir de ti? 

via Pinterest

Ao menos o último dia em que estivemos juntos foi muito bom não foi? Querias-me tu convencer que eu emanava uma luz muito bonita, como se eu não soubesse que era só de estarmos ali virados para o sol! E eu ainda me consigo ver, por várias vezes, a colocar as mãos sobre a tua cabeça, como que a querer cuidar de ti. Tu sempre me disseste que eu era um protetor. Não sei... Mas o que eu te digo, é que tem sido mesmo muito triste para mim não poder cuidar mais de ti... 

Mas e se me acontecesse alguma coisa ali no carro? Deveria telefonar-te assim do nada, sem que tu estivesses à espera? - e bem sabes como é, quando a morte chega, nós não lhe podemos dizer "olha Morte, espera aí cinco minutos que eu já morro, mas primeiro deixa-me fazer um telefonema para uma pessoa importante". Mas isto até é bem pensado. Antes de morrer, deveríamos sempre ter direito a fazer um telefonema! A Morte chegava e: "Estás morto. Tens o direito de ficar em silêncio. Tudo que possas dizer poderá ser usado no julgamento final. E tens direito a fazer um telefonema."

Deveria então ligar-te e dar-te as minhas últimas palavras? Eu aposto que terias certamente qualquer coisa sábia e tranquilizadora para me dizer... Tens sempre não é? 

Mas como vês não morri!
Cheguei a casa e deitei-me. Os sintomas começaram a adensar-se. Nem consegui comer. E aqui estou eu, de novo, na minha cama, a falar contigo como o faço tantas vezes. E não te preocupes. Isso passa-me. Eu sou rijo! Tenho ideia que isto não deve ser muito pior que a pior das indisposições que uma mulher pode ter antes de vir a menstruação. 
Olha, se calhar devo estar a precisar é de mimos. Tal como uma mulher precisa nesses dias. Alguém que me passe a mão pelos cabelos, me dê umas festinhas e me massaje a barriga. Ao menos não estou de mau humor, já não é mau! Talvez tenha ficado só um pouco melodramático.

P.S: A propósito - já deixaste de fumar?


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