domingo, 4 de outubro de 2015

Disfarces de Amor

Sabemos que o amor é uma de entre várias emoções intensas mas a de mais difícil definição. Somos capazes de saber porque sentimos ódio, ciúmes ou inveja, mas incapazes de explicar porque sentimos amor por alguém. No entanto, esta deve ser a emoção mais transformadora do mundo interno, criando uma necessidade que se mantém ao longo da vida.
A procura de um objeto de amor parece ser uma característica da condição humana, sendo uma relação amorosa a que mais poderá contribuir para um desenvolvimento do indivíduo, uma vez que o amor fortalece o Self e este, fortalecido, é capaz de estabelecer e desenvolver relações verdadeiras e com profundidade. No entanto, muitas pessoas vivem constantemente numa indecisão sobre se mais valerá só que mal acompanhado ou mais vale mal acompanhado que só. 
Assim, procuramos compreender como é que o amor se insere numa sociedade onde o mal-estar abunda, assistindo-se a uma procura incessante de excessivos estímulos externos que visam disfarçar o sofrimento, revelado na adoção de pseudo-vidas, mediadas por pseudo-necessidades, estabelecendo-se pseudo-relações que resultam de uma dificuldade em se estar só e com o seu mundo interno.


Livro "Disfarces de Amor - Relacionamentos Amorosos e Vulnerabilidade Narcísica 

Assiste-se nos dias de hoje a um incremento de um pensamento que é da ordem do concreto, onde condutas operatórias consumistas pretendem acalentar as dores e possibilitar um significado ao Self, numa procura de viver tudo freneticamente ainda que com desencantamento, sem veracidade do Eu, visando o alcance de um estado maníaco artificialmente provocado, quer por recurso a álcool e drogas, quer pela compulsão de consumo que mascára o que falta ao Eu transformando-o num deus de posse, dono de uma anestesia afectiva com entorpecimento dos sentidos, aproveitados de modo superficial: toca-se mas não se sente, ouve-se para não se escutar, cheira-se mas não se distingue odores, olha-se para o que está à mostra mas não se vê a essência. Desenrolam-se nestes contextos relações amorosas, pessoais, de trabalho, sem vivacidade nem intimidade, traduzidas numa conduta camaleónica de pseudo-adaptação que não resulta em amor nem em produtividade.
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A verdade é que estamos num tempo onde se estabelecem ligações com pessoas de qualquer parte do mundo através da internet, mas não se cumprimenta sequer o vizinho do lado. Estes meios proporcionam o excesso de estímulos, de informação em massa que impede o pensamento, o homem apenas funciona como receptáculo, sem espaço para processar tão variada informação, sendo que no meio de tanta estimulação surge o risco da perda da própria individualidade de um Eu fragilmente edificado.
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É assim que se vive sem vida, sem objetos contentores, numa sociedade do espetáculo, do teatro de marionetes, manipuladas pelos supostos desejos alheios dos deuses idolatrados, sem qualquer profundidade ou interioridade, numa hiperactividade permanente que permita pôr-se a fugir de si próprio, mas que sem este motor externo se despenham num precipício de inferioridade e vergonha, de apatia e desânimo. Dizia António Variações na sua canção: “Tenho pressa de sair, quero sentir ao chegar vontade de partir para outro lugar. Não sei de que é que eu fujo, será desta solidão? Mas porque é que eu recuso a quem quer dar-me a mão?”
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Por outro lado, assistimos a um crescendo de mal-estar do desejo denunciando uma grande dificuldade em integrar o desejo com o Amor, o que conduz à adopção de condutas sexualizadas desprovidas de afecto, numa preocupação exibicionista com o desempenho envolto numa anestesia afectiva, são estas relações plenas de entusiasmo estéril, fugaz, e sem contacto emocional íntimo. O que se deseja não é um outro, mas a própria imagem idealizada ou uma reparação do narcisismo falhado do próprio. Consideramos que este mal estar do desejo tem subjacente um forte mal estar vincular, que se repete ao longo da história relacional do indivíduo, e que vai minando de maneira nefasta toda a relação supostamente amorosa.

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