sexta-feira, 30 de maio de 2014

Feito para se deteriorar

Antigamente, já há muitos anos, as coisas, fosse o que fosse, eram feitas para durar. Comprávamos algo e era resistente e durável, mesmo os eletrodomésticos ou automóveis, que têm mecânica ou eletricidade duravam uma vida. De há umas décadas para cá, cada vez mais, as empresas apostam nas vendas, o que interessa é vender, e o artigo que dure só até acabar a garantia, porque assim, quanto mais depressa avariar, mais depressa o cliente vai comprar um novo artigo. É esta a lógica do tão falado crescimento económico!

Há várias formas de levar o consumidor a comprar mais, mesmo que este não precise, como são as épocas de saldos, em que levado para ideia de estar a fazer uma compra inteligente, a maioria das pessoas acaba por trazer para casa uma rima de coisas que provavelmente nem sequer vai usar, mas como estava mais barato a pessoa fica de consciência estupidamente tranquila! Outra forma é fazer constantemente novos modelos, seja do que for, como com os telemóveis, ou então como acontece por exemplo com os automóveis. Se antigamente o mesmo modelo de automóvel poderia ficar na linha de produção durante vinte anos, agora é muito provável que o mesmo modelo mude no espaço de um ano, levando assim quem tem o modelo anterior, a pensar que está a ficar para atrás, principalmente quando vê o vizinho com o modelo acabado de sair. O que é perfeitamente estúpido, visto que um automóvel é simplesmente uma maquineta inventada pelo homem, para nos levar do ponto A ao ponto B (ou para dar umas trancadas lá dentro para quem não tem casa e tem boa flexibilidade!) e a não ser que saia um novo carro que levante voo, ou que conduza sozinho, são todos iguais, todos gastam combustíveis, e é preciso conduzi-los. 

Mas a forma mais ardilosa de vender mais e mais, é fazer artigos de qualidade fraquinha, mesmo as marcas mais afamadas fazem artigos rapidamente deterioráveis e que tenham de ser constantemente substituídos, e muitas vezes, qual plano diabólico, os artigos estão mesmo programados para avariar depois de determinado uso. Ah pois é!

Mas esta introdução vem isto a propósito do meu descontentamento com o calçado. Eu sempre fui muito esquisito com o calçado, tanto a nível estético, e hoje em dia é quase impossível comprar umas sapatilhas que não tenham uns neons e luzinhas a piscar! Se uma pessoa quer algo tão fácil como preto ou castanho é quase impossível, pois agora lembraram-se que quanto mais berrante melhor! E sou esquisito com a estética mas também a nível de conforto, mas no entanto nunca entrei em grandes loucuras com o calçado. Mas há uns anos, decidi gastar uns 80€ numas sapatilhas (deixa-me ir buscar o cilício para me penitenciar dos meus pecados!) pois eu nunca tinha gasto semelhante quantia numas sapatilhas! Mas esteticamente eram apelativas e pareciam confortáveis, e pronto, também andava a trabalhar bastante e a fazer muitas horas-extra, e achei por bem mimar os meus pés e, supostamente, até estava a comprar um artigo de qualidade, pois na altura uma amiga até me disse que teve umas Merrel em miúda, e que aquilo durou que foi uma coisa maluca.

Comprei umas sapatilhas Merrel numa loja onde também tinha muito artigo da marca CAT mas lá não vendiam retro-escavadoras e máquinas de terraplanagem, era só mesmo sapatilhas! E qual não é o meu espanto, quando vou a ver, e a merda das saptilhas, que supostamente iam durar uma vida, estão com a sola toda esburacada! E não, o meu trabalho nunca foi andar a caminhar, era de estar sentadinho ao computador! E infelizmente nos últimos anos, elas têm estado encostadas, pois como estou desempregado, uso calçado velho para trabalhar em casa. Estão as sapatilhas ainda com bom aspeto exterior, e com a sola toda esventrada!




Que 80€ mais mal gastos, acho que vou chorar o dinheiro toda a vida, e se alguém me falar em Merrel, digo logo para fugir disso como o diabo da cruz! 

Mas isto não é caso único! Em tempos comprei uns sapatos da marca Ecco e a primeira impressão, é que eram bastante confortáveis, o problema foi que passado uns meses rasgaram a sola! Logicamente fui à loja reclamar, que averiguassem, não me estava a fazer a uns novos, mas que, no mínimo os reparassem. Lá voltei à loja para saber o que tinham decidido e deram-me a boa nova: os sapatos não tinham reparação! Mas deram-me uma devolução no valor que paguei, para eu trocar por outros. E lá troquei, e lá voltei a ter uns sapatos que duraram pouquinho!

E o mesmo se passou com umas sapatilhas Nike que comprei em 2004/5 por aí. Lembro-me bem pois comprei-as dias antes de um convívio na empresa, em que fomos andar de kart e fazer paintball. Poucos anos duraram, com o mesmo problema: sola descolada. 

Bom, eu poderia pensar que o defeito é meu! Na volta posso ter os pés descalibrados, mais ou menos como a direção dos automóveis, em que é preciso alinhá-la se não até pode desgastar os pneus mais de um lado que do outro! Mas não, em pequeno tive umas sapatilhas Adidas que duraram estupidamente. O couro acabou por rasgar e a sola parecia que não se tinha desgastado. E o mesmo se passou quando comecei a tirar a carta. Eu que na altura andava sempre de botas Dr. Martens, resolvi comprar umas sapatilhas leves e confortáveis, para sentir melhor os pedais, e acabei por comprar umas Airwalk pretas, bem bonitas e confortáveis. Mas mais importante que isso, é que elas ainda à pouco tempo andavam cá por casa, velhinhas, mas ainda serviam para andar a jardinar! Duraram que se fartaram! Agora não, parece que o calçado é feito de merda que desfaz-se num instante! E eu nem quero imaginar como será com as crianças, pois eu também me lembro quando era criança em andava sempre a jogar à bola, ou a chutar qualquer coisa. 

Deixamos de ter material durável, para termos algo que se desgasta rapidamente, pois quanto mais rapidamente se desgastar, mais as pessoas terão de comprar  calçado novo.  

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Se eu nunca te conhecer...

"Se eu nunca te conhecer nunca terei de te perder." 

É esta a frase que me fica do último episódio da quinta série de Lost (Perdidos). O casal em causa é composto por Juliet, a loira de olhos azuis escuros, a ex-Outros (the Others) que fala a linguagem dos iluminados (latim), de perfil intrigante, ora é médica da fertilidade, serena, preocupada com os outros e de sorriso fácil, ora é capaz também de olhares intimidantes, de pegar na arma e matar qualquer um a sangue frio, ou de aplicar uns golpes karatecas vindos assim do nada e sem ninguém saber onde raio os aprendeu. E o outro elemento do casal é Sawyer, o trapaceiro de corpo escultural, que gosta de sair do mar sem roupa, e só pensa nele e de como se pode aproveitar dos outros em proveito próprio. Mas não é um bronco qualquer, Sawyer é a personagem que mais lê na série, tem sempre uma nova alcunha para qualquer pessoa, e nos últimos três anos, depois de ambos terem parado de saltar no tempo, trinta anos atrás do tempo presente, e de terem ido brincar às casinhas com o pessoal do Dharma Iniciative, Sawyer amadureceu.



Aparentemente este poderia ser um casal improvável. A mulher culta e bonita mas inteligente e sensível com o bonitão trapaceiro, mas além de Sawyer amadurecer, também restam unicamente o físico "louco", o coreano de poucas palavras, e o chinês que fala com os mortos, e claro, a malta da Dharma Iniciative, que ambos sabem que acabarão todos mortos. Sawyer e Juliet têm-se um ao outro, protegem-se um ao outro e a coisa acontece naturalmente.







E tudo corria bem, até que todos os que tinham saído da ilha, resolvem voltar para ajudar os que tinham lá ficado. E depois de toda uma série de desenvolvimentos extremamente complexos com explicações de física quântica - bem mais complexos que no filme "Regresso ao futuro", em que se as personagens alterassem o passado poderiam desaparecer no futuro - surge a possibilidade de, ou deixar tudo como está, e ficarem a viver no passado, trinta anos atrás, ou então acreditar que fazendo algo, irão regressar ao presente, e impedir o avião em que seguiam de ter o acidente que teve. 

Só que isso tem grandes implicações, se o avião nunca se despenhar, todas aquelas pessoas que entraram no avião e que não se conheciam antes, e fizeram grandes amizades, e algumas apaixonaram-se mesmo na ilha, com essa decisão, no presente o avião irá aterrar em segurança e nunca se conhecerão.


Neste episódio chega-se a um grande conflito de interesses. Jack, o médico, o líder natural dos sobreviventes, que no entanto nunca quis liderar ninguém, o obsessivo, o senhor "se-não-vivermos-juntos-vamos-morrer-sozinhos", personagem com quem me identifico em certos aspetos, está decidido a fazê-los voltar ao presente. Mas será que isso tem alguma coisa a ver com Kate? Sawyer diz-lhe que se fizer o que pretende, nunca conhecerá Kate, mas Jack afirma que "o que tem de ser tem muita força". 

"Eu tive-a" disse-lhe. "Eu tive-e e perdi-a" repetiu. Sawyer não concorda nada com Jack, pois Sawyer está bem com Juliet, só que algo acontece e ela muda radicalmente de opinião. Se inicialmente Juliet, sua companheira, estava com ele na ideia de travar Jack, de repente ela intervém e diz a Sawyer que não e acha que Jack tem razão. Mas Sawyer quer saber, afinal o que mudou na cabeça da Juliet?


Ela é Kate, com quem Sawyer andou enrolado na ilha, antes dela ter saído da ilha com Jack e mais alguns sobreviventes, e já fora da ilha acaba finalmente por viver com Jack. Sawyer diz-lhe que não interessa para quem olhou, que está com ela, e Juliet responde-lhe, que sabe disso e que ele ficaria com ela para todo o sempre se ela o permitisse, e que é por isso que sempre o amou. E que só porque se amaram durante um tempo, não quer dizer que fiquem juntos, e que talvez não tivesse de ser assim. Talvez não fosse sequer suposto ficarem juntos. 

Mas Sawyer pergunta de novo: - porque estás a fazer isto Juliet?


E chegamos à frase: "Se eu nunca te conhecer nunca terei de te perder". Juliet prefre apoiar Jack na sua decisão, e assim nunca ter a oportunidade de conhecer Sawyer, e de um dia não ter de o perder. No fundo ela sabe que ele ficaria para sempre com ela, mas ela não o quer com ela, ainda pensando na "sardenta" Kate. 

Acho que sempre que vemos um filme, uma série, lemos um livro, ouvimos uma letra de uma canção, ou simplesmente observamos uma qualquer situação, há sempre algo com que nos podemos identificar. E quem diria que um dia estaria eu na pele do Sawyer, e encontrar alguém que simplesmente não me quis conhecer porque.... acho que não cheguei a saber bem porquê, ou talvez tenha percebido demasiado bem, ou então provavelmente já estou estou a confundir realidade com ficção, e já são episódios a mais de Perdidos. Mas agora também já só falta a última temporada! 

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Eleitorado português com síndrome de Estocolmo

Não ter televisão poupa-nos aquele espetáculo deprimente das televisões, em que todos os partidos em noite eleitoral afirmam ter sempre uma vitória, bem como ter de levar com os comentadores da treta que as televisões escolhem para puxarem a brasa ao partido que defendem. Em vez de se convidarem pessoas minimamente isentas e não militantes de nenhum partido, não, vão escolher para comentadores ex-políticos mais ou menos frustrados mas com ambições de, quem sabe, ainda virem um dia a conseguir mais um tacho. 

E passava agora os olhos pelas capas dos jornais, precisamente para ficar a saber os resultados das europeias de ontem, que ao que parece ainda nem são definitivos, mas comprovo mais uma vez o óbvio. Grande parte dos eleitores portugueses estão doentes e sofrem de Síndrome de Estocolmo. Deveriam fazer acompanhamento psicológico (ou psiquiátrico?) e só então depois de curados desta patologia grave, poderiam e deveriam usar do seu direito de voto. 

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Desde que passamos a ter eleições livres, Portugal tem sido governado sistematicamente e sem qualquer mudança, por três partidos. Ora um sozinho ou então coligados, aos pares, ou então os três juntos, como me parece que se prepara para voltar a acontecer, seguramente, para o ano. São eles, e quem neles sistematicamente vota, os únicos responsáveis pelo estado de coisas a que chegamos. Mas ironicamente o eleitor continua a escolher sempre os mesmos, como ontem se verificou. 

Mas porquê? Como é que isso se explica? É por burrice? Por ignorância? Por masoquismo? Por medo da mudança? 

Da mesma forma que se explica o porquê das vítimas de violência doméstica, que anos e anos, sofrendo violência psicológica, ameaças, e muitas vezes levando mesmo porrada, passam a vida a defender o seu agressor, que coitado não tem culpa de ser assim, e muitas vezes só deixam mesmo de o defender quando vão parar ao cemitério. 

O português é roubado, é humilhado, insultado e literalmente fodido por estes três partidos há quase quarenta anos, mas sempre que tem a possibilidade de mudar alguma coisa, não muda, faz finca-pé, e defende com unhas e dentes o seu agressor, até à morte se for preciso. 

sábado, 24 de maio de 2014

A lógica do dia de reflexão

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Encontro uma mulher, conversa vai conversa vem:
"Olha, estava-me a apetecer dar umas trancadas. - Vamos foder?" 
Eu reviro os olhos e respondo:
"Ah, isso assim de repente não sei que te diga... Olha dás-me um dia inteiro para eu poder refletir calmamente sobre esse assunto delicado?"

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Marinho Pinto - O abstencionista violento

Marinho Pinto, o abstencionista que andou em campanha contra os partidos no ano passado, é agora, candidato ao parlamento europeu pelo partido MPT (seja lá isso o que for). Tanto berrou contra os partidos, que estes ganham 3€ por cada voto, milhões de euros por mês, e afinal foi agora também chafurdar na pia dos porcos. 



Marinho Pinto é o novo Fernando Nobre da política portuguesa, que tão mal dizia dos partidos enquanto candidato presidencial, e à mínima oportunidade - TRÊS MESES DEPOIS! - foi candidato a deputado pelo PSD, mas não concorria só para deputado, não, porque o mero cargo de deputado não estava à altura do maçónico benemérito das criancinhas, teria sim de ser também candidato à presidência da assembleia da república! Infelizmente não foi eleito pelos seus pares. E que pena que tenho que não tenha sido. Esta presidente-sopinha-de-massa revelou-se bastante cómica, mas tenho a certeza que Fernando Nobre nos iria conseguir fazer rir a todos muito mais. 

Mas a pergunta que fica é: Como é que é Marinho? Estás num partido, és contra o voto e no domingo como é que vais fazer? Ficas em casa? Nem em ti próprio vais votar? Claro, eu entendo, tu és um abstencionista violento, nem estás nada interessado no salário milionário de euro-deputado lá em Bruxelas! Tu estás acima disso tudo, tu nem sequer gostas de partidos! 

E podes estar tranquilo, que eu vou fazer a minha parte e abster-me de votar no teu partido. 

sábado, 17 de maio de 2014

O que ando a ler II

O vazio

"Se eu ao menos pudesse sentir alguma coisa!": esta fórmula traduz o "novo" desespero que fere um número cada vez maior de sujeitos. Sobre este ponto, o acordo dos psi parece unânime, desde há vinte e cinco ou trinta anos, são as desordens de tipo narcísico que constituem a maior parte das perturbações psíquicas tratadas pelos terapeutas, enquanto as neuroses "clássicas" do século XIX, histerias, fobias, obsessões, a partir das quais a psicanálise, deitou corpo, já não representam a forma predominante dos sintomas. As perturbações narcísicas apresentam-se menos sob a forma de perturbações com sintomas nítidos e bem definidos do que sob a forma de "perturbações caracteriais", caracterizadas por um mal estar difuso e invasor, um sentimento de vazio interior e de absurdo da vida, uma incapacidade de sentir as coisas e os seres. Os sintomas neurológicos que correspondiam ao capitalismo autoritário e puritano deram lugar, sob impulsão da sociedade permissiva, a desordens narcísicas, informes e intermitentes. Os pacientes já não sofrem de sintomas fixos, mas de perturbações vagas e difusas; a patologia mental obedece à lei do tempo cuja tendência é para a redução da rigidez bem como para a diluição dos pontos de referência estáveis: à crispação neurótica substitui-se a flutuação narcísica. Impossibilidade de sentir, vazio emotivo, a dessubstancialização toca aqui o seu termo, revelando a verdade do processo narcísico como estratégia do vazio. 

Mais ainda: segundo Christopher Lasch seria a um desprendimento emocional que os indivíduos cada vez mais aspirariam, em razão dos riscos de instabilidade que as relações pessoais conhecem nos nossos dias. Ter relações interindividuais sem ligação profunda, não se sentir vulnerável, desenvolver a sua independência afetiva, viver sozinho, tal seria o perfil de Narciso. O medo de ser dececionado, o medo das paixões incontroladas, traduz ao nível subjetivo o que Chr. Lasch chama de the flight from feeling - "a fuga ao sentimento" -, processo que se manifesta tanto na proteção íntima como na separação, que todas as ideologias "progressistas" pretendem realizar, entre o sexo e o sentimento. Quando se prega o cool sex e as relações livres, quando se condenam o ciúme e a possessividade, trata-se do facto de climatizar o sexo, de o expurgar de toda a tensão emocional e de conseguir assim um estado de indiferença, de desprendimento, não só a fim de de o indivíduo se proteger contra as deceções amorosas, mas também contra os seus próprios impulsos, que podem sempre ameaçar o seu equilíbrio interior. A libertação sexual, o feminismo, a pornografia trabalham para um mesmo fim: erguer barreiras contra as emoções e manter afastadas as intensidades afetivas. Fim da cultura sentimental, fim do happy end, fim do melodrama e emergência de uma cultura cool onde cada um vive no seu bunker de indiferença, ao abrigo das suas paixões e das dos outros.


Certamente Chr. Lasch tem razão ao sublinhar o refluxo da moda "sentimental" uma vez que esta se mostra destronada pelo sexo, pela fruição, pela autonomia, pela violência espetacular. A sentimentalidade sofreu o mesmo destino que a morte; torna-se incómodo exibir os próprios afetos, declarar ardentemente o fogo íntimo, chorar, manifestar com demasiada ênfase os impulsos internos. Tal como a morte, a sentimentalidade tornou-se embaraçosa; é preciso ser-se digno em matéria de afeto, quer dizer: discreto. Mais longe de designar um processo anónimo de desumanização, o "sentimento interdito" é um efeito do processo de personalização, que trabalha aqui na erradicação dos signos rituais e ostentatórios do sentimento. O sentimento deve chegar ao seu estádio personalizado, eliminando os sintagmas inteiriçados, a teatralidade melodramática, o kitsch convencional. O pudor sentimental é exigido por um princípio de economia e de sobriedade, constitutivo do processo de personalização. Deste modo, é menos a fuga perante o sentimento que carateriza o nosso tempo do que a fuga perante os signos da sentimentalidade. Não é verdade que os indivíduos procurem um desprendimento emocional e se protejam contra a irrupção do sentimento; a esse inferno povoado de mónadas insensíveis e independentes, devemos opor os clubes de encontros, os "pequenos anúncios", a "rede", todos esses milhões e milhões de esperanças de encontros, de ligações, de amor, que precisamente se realizam com cada vez mais dificuldade. É aqui que o drama é mais profundo do que o pretenso desprendimento cool: homens e mulheres continuam a aspirar tanto como antes (ou talvez nunca tenha havido até tanta "procura" afetiva como nesta época de deserção generalizada) à intensidade emocional de relações privilegiadas, mas quanto mais forte é a expectativa mais raro parece tornar-se o milagre fusional, ou, em todo o caso, mais breve. Quanto mais a cidade desenvolve as possibilidades de encontros, mais sós se sentem os indivíduos; quanto mais livres e emancipadas das coações antigas as relações se tornam, mais rara se faz a possibilidade de conhecer uma relação intensa. Por toda a parte encontramos a solidão, o vazio, a dificuldade de sentir, de ser transportado para fora de si: de onde uma fuga para a frente de "experiências", que mais não faz do que traduzir esta busca de uma "experiência" emocional forte. Porque não posso amar e vibrar? Desolação de Narciso, demasiado bem programado na sua absorção em si próprio para poder ser afetado pelo Outro, para sair de si - e, no entanto, insuficientemente programado, pois que deseja um mundo relacional afetivo.

A Era do Vazio - Gilles Lipovetsky - 1983

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Lost - Banda Sonora - It's Getting Better

Oitavo episódio da quarta série. A personagem Michael volta à série, e curiosamente Mama Cass Eliot volta também, depois de algumas músicas na segunda série. 

Neste episódio reaparece Michael, depois de conseguir escapar da ilhar com filho, e ironicamente aparece fora da ilha tentando suicidar-se. Mete-se dentro do carro, acelera a toda a velocidade ao som de "It's getting better". Espatifa o carro todo, mas no auto-rádio continua-se a ouvir a música.



It's getting better - Mama Cass Eliot - 1969

sábado, 10 de maio de 2014

Bata palmas

Há uns anos, quando fui pela primeira vez a uma primeira junta médica, tinha em mente que iria a um sítio, onde seria visto e analisado por diferentes médicos, para atestar realmente que estava realmente incapacitado para o trabalho. Mas que ingénuo que era, e não poderia estar mais enganado! A junta nada tem de ato médico, pois aquele trabalho pode ser feito por qualquer pessoa, desde que saiba ler e escrever, visto tratar-se unicamente de um processo burocrático-administrativo com vista a cortar baixas a quem está a dar prejuízo ao governo. Em última análise, afinal, esta junta médica, depende só, e exclusivamente, do bom ou mau humor da pessoa que encontramos à frente.
  
Esta semana encontrei um antigo colega de escola, que está de baixa há uns meses, devido a uma doença incapacitante que entretanto lhe apareceu. O próprio médico da medicina do trabalho, já lhe disse que ele não poderia fazer levantamentos de pesos, superiores a 10Kg. Só que o problema é que o trabalho dele implica pegar em pesos, não é estar a uma secretária a escrever.

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Está de baixa, anda a ser acompanhado no hospital e a tomar imensas drogas, mas o problema é depois quando é chamado para ir às juntas médicas. Se por vezes quando lá chega, a pessoa que lê os exames e os relatórios médicos lhe diz de imediato "não, realmente você não pode trabalhar assim", noutros casos acontecem verdadeiras aberrações. 

Numa das vezes chega lá, a gaija (sôtôra faz favor) olha para ele e diz:
"Ora bata palmas". 
Ele lá bateu palmas, e a mulher "Está apto para poder ir trabalhar". 
Ao que ele argumenta "mas ò sôtôra, o meu trabalho não é bater palmas!"

Na volta ela deveria pensar que o trabalho dele, é estar naqueles programinhas deprimentes da televisão, em que está lá uma plateia cheia de gente, em que o trabalho deles é que têm é mostrar os dentes e bater palmas. 

 Mas a pergunta que me ocorre é - e o que é que merecia esta sôtôra puta?

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Lost - Banda sonora - Scentless Apprentice

Último episódio da terceira série. No início deste episódio, vemos um Jack fora da ilha, de barbas, com ar meio esgazeado, a conduzir um jipe ao som de "Scentless apprentice" de Nirvana.



Scentless Apprentice - Nirvana - 1993

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Patrocinador apropriado

"A nossa Peixaria" patrocina hoje a peixeirada jornalística em formato de jornal.


Estou em que, mais apropriado, talvez só mesmo um patrocinador a fazer promoção de esterco.